Existem comentários que devem ser reprimidos. Comentários que se fazem e que não passam de meras constatações óbvias. Futilidades, portanto.
Existem diferentes géneros de pessoas, das quais se destacam dois tipos: as tímidas e todas as outras.
Analisemos as tímidas.
Este misterioso género de pessoas – também conhecidas como gente tímida, acanhada, “caladinha”, aquela que “entra muda e sai calada” (fica ao vosso critério o nome mais simpático que lhe queiram atribuir) – pode ser visto de diversas formas em termos de potencial de desenvolvimento. Positivas, pois mais tarde revelam-se pessoas de elevado caráter, ou negativas, porque podem ser interpretadas como arrogantes e antissociais.
Todos nós, novos ou velhos, já nos deparamos com estas pessoas tão características, alguma vez na nossa vida. São peculiares e amáveis seres que aparentemente se deixam tomar como a parte fraca da população. Mas não é assim. Passo a explicar.
Tímido não é sinónimo de fraco – muito pelo contrário. Pessoas menos extrovertidas do que o habitual tendem a ser mais observadoras e sensatas, podendo ser consideradas as melhores pessoas para se ter por perto, uma vez que se dão como melhores ouvintes e conselheiros. Ora aí está: uma pessoa tímida (eventual defeito) pode, na realidade, ter das melhores qualidades a potenciar.
Posso afirmar que, como tímida que sou, me é difícil tomar a timidez como uma virtude, dado o tempo que passei, infeliz, a combatê-la. E é por isso que, embora o pareça, não dedico este texto à enfatização das partes boas desta característica de personalidade.
Hoje analiso – porque analisar é o ponto forte dos envergonhados – o que observo no meu dia-a-dia e que me incomoda: comentários não filtrados de pessoas sem filtro; isto é, ainda pior do que alguém com quem se quer ter uma conversa e não se consegue extorquir uma única palavra, são aquelas pessoas – ou personagens, mesmo – que dizem tudo aquilo que lhe passa pela cabeça, indiferentes a qualquer efeito que a sua mensagem possa causar no recetor. Efetivamente, muitos de nós também já levaram com aquilo que parecem murros no estômago vindos de pessoas sem filtros. Mas porque será?
Todos os seres humanos nascem com uma capacidade igual de raciocinar, relacionando conceitos e juízos, mas no entanto, todos sofrem mecanismos diferentes de o verbalizar. Existe algo a que gosto de chamar “vigilância discursiva” – nome que inventei para transmitir a minha ideia de uma forma mais clara…e cómica -, sendo esta vigilância o mecanismo responsável por verificar se o que acabamos de pensar é bom o suficiente para “sair cá para fora” e chegar ao destino pretendido.
Ora, as chamadas pessoas sem filtro – tagarelas, portanto – nascem já com um vigilante bastante cansado e preguiçoso que deixa passar tudo, não existindo portanto uma filtração, o que leva à verbalização de todos os raciocínios mirabolantes que possam passar pela sua mente. O oposto dos fala-baratos são os caladinhos, que possuem um vigilante muito ativo, exigente e perfecionista que inspeciona tudo ao milímetro, qualificando os pensamentos muito rigorosamente, não deixando a maior parte “passar no exame”. É então, devido aos diferentes tipos de vigilantes discursivos que há pessoas que falam tanto e pessoas que falam tão pouco.
Muitas vezes, o que mais incomoda são mesmo as pessoas não filtradas que fazem observações desnecessárias que nos magoam. Mais uma vez na voz dos tímidos, posso referir seguramente de que não sou a única que já foi vítima dessas constatações óbvias. E a pior delas todas é quando se viram para nós e nos dizem naquele tom despreocupado: “Ninguém te ouve. Porque é que não falas?” “És tão tímida!”.
E nós, como não podemos defender-nos porque somos incapazes do mesmo devido à nossa timidez, gritamos por dentro, querendo na realidade explodir neles: “QUE BOM PARA SI, OBRIGADA POR CONSTATAR O ÓBVIO. NA VERDADE, NUNCA ME TINHA APERCEBIDO QUE ERA TÍMIDA E ISSO NÃO AFETA DE TODO A MINHA VIDA. OBRIGADO, VOLTE SEMPRE.”
É que pessoas sem filtro, desbocadas mesmo, irritam um Santo; e por Santo, quero dizer todos aqueles que levam com os esses comentários ocos e óbvios. São considerados Santos só por isso. Porque aguentam.
Em breve o mundo estará dividido: Santos filtrados e pessoas (in)filtradas, unidos por meras constatações óbvias, pois não há curas para vigilantes toscos, nem para vigilantes energéticos – há apenas que lidar com eles e, em último caso, oferecer-lhes de prenda de Natal um filtrador ou coador, a ver se tomam consciência do que dizem.
Teresa M. Mendes
Estudante