«Na
existência-em-si não há o medo, ou a incerteza, mas é o viver que os
cria. E a sociedade, basicamente, não tem qualquer sentido, é apenas um
banho romano misto. E a escola, a escola é a sociedade em miniatura: é
por isso que nos estão constantemente a dar ordens. Um punhado de homens
cegos diz-nos o que temos de fazer, retalha-nos as nossas imensas
capacidades.»
in "O Marinheiro que perdeu as graças do Mar", Yukio Mishima.
O
medo faz parte do dia-a-dia do Homem. Tanto nas questões íntimas de
cada um, como numa sociedade baseada na conjuntura do “medo”. Quando
falo em aspectos pessoais, posso referir o medo da morte, uma doença
dolorosa, perder alguém, o medo da solidão. Centrando-me na convivência
social enquanto conceito mais abrangente, aponto todas as pressões e
convenções que nos moldam a um conjunto de usos ou regras.
Actualmente vive-se a cultura do “medo”. Medo de não ter dinheiro
suficiente para cobrir a prestação do banco. Medo de perder o emprego a
qualquer momento. Medo da crise Europeia. Medo de perder aquilo que
conquistamos. Medo de dar opinião. Medo de sermos julgados.
E de que forma está esse medo cada vez mais enraizado no mundo profissional?
Nas
empresas crescem os cortes. Luta-se contra a despesa e esta inclui a
redução do capital humano. Cortar no pessoal implica pedir esforços
extra aos que ficam, concentrando mais tarefas e responsabilidades. Como
a grande fatia das dispensas é a dos trabalhadores que ganham menos
(geralmente os que têm menos tempo de casa e ainda não são efectivos), todos têm medo do “medo” de perder o quase nada que têm.
O medo modela o comportamento dos que ficam e dos que entram. Mas, para
os que ficam, a situação é ainda mais precária e frustrante. Ou aceitam
uma crescente exigência ou a alternativa é sair e cair no vazio. Ora,
este problema gera um constante receio, ansiedade e apreensão.
De certo modo, a “crise” tudo desculpa. E a maioria acata este
compromisso com a precariedade sem grandes reclamações. O medo é, assim,
prejudicial às empresas. Como os trabalhadores têm receio de perder o
emprego, acabam por não ser eles próprios e têm dificuldade em exprimir
as suas frustrações e opiniões. Sinal de total impotência.
A generalidade das empresas não aposta na comunicação entre as hierarquias. Vivem de tal forma focadas nos números e resultados que esquecem as pessoas. É fácil dispensar o elo mais fraco. E este está claramente identificado: os pobres e os que estão em fim de contrato.
Este é um pau de dois bicos. Ao diminuir as equipas, diminui-se a
qualidade do serviço prestado. Os “sobreviventes” não conseguem
responder a tudo, não exercem plenamente as suas funções e não têm
capacidade para ajudar na integração de novos elementos. As equipas
vivem pautadas pela incerteza, pela insegurança, pelo medo. E não
conseguem estabilizar, pensar o presente, encontrar um rumo e criar
metodologias. Não se vive o agora, mas a incerteza do que aí possa vir.
Os números não são tudo. São as pessoas que podem mudar as coisas. E
isso só será possível havendo transparência e proximidade entre as
hierarquias. O medo combate-se pela comunicação. Só assim se motivam
(mesmo em conjunturas adversas) os que vivem com tão pouco.
Muitas vezes as melhores soluções não estão na cabeça dos gestores… Estão nos que não têm voz. Porque não convidá-los a pensar em conjunto com os quadros superiores?
Rodrigo Ferrão